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Como a ciência tem contribuído para diminuir o número de testes em animais?




Atualmente, os experimentos com animais são a única maneira permissível de testar se um medicamento é seguro e eficaz antes de fornecê-lo a pessoas na fase de testes clínicos.

 

Contudo, antes dos testes pré-clínicos em animais, há um grande número de métodos alternativos realizados com vários tipos de ferramentas de pesquisa, incluindo modelos de computador, triagem automática, culturas de células, estudos microbianos e muito mais.

 

Esses métodos são usados para identificar drogas potencialmente tóxicas, ou impedir que compostos sem eficácia cheguem aos estágios mais caros do processo de desenvolvimento, e desta maneira, sejam testados em animais. Tais métodos alternativos conseguem reduzir a quantidade de pesquisa em animais necessária para que um novo medicamento chegue ao mercado.

 

Nesse contexto, o compromisso com a validação de métodos alternativos robustos deve ser enfatizado a fim de garantir que produtos cheguem ao mercado de forma segura, sem a necessidade de excesso de pesquisa em animais.

 

Como exposto no FINANTIAL TIMES num recente artigo, as novas tecnologias envolvendo órgãos humanos em miniatura construídos em laboratório vão em direção a melhores tratamentos e ao fim de uma prática controversa com o uso de animais [1].

 

De acordo com Salim Abdool Karim, principal especialista em doenças infecciosas da África do Sul, os resultados utilizando estas novas tecnologias podem mostrar que os sistemas biológicos não animais conseguirão produzir informações compatíveis, se não melhores do que aquelas encontradas em animais [1].

 

Princípio dos 3Rs

 

No fim da década de 50 foi publicado o “Princípio dos 3Rs”, relacionado ao uso de animais na ciência. Tais princípios são seguidos mundialmente como um compromisso das instituições que fazem o uso de animais [2].

 

Os 3R correspondem às suas iniciais em inglês Reduction (redução), Refinement (refinamento) e Replacement (substituição), cujos princípios estimulam o desenvolvimento de modelos e ferramentas que se aproximam mais da biologia humana, e predigam com maior precisão a segurança e a eficácia de novos produtos [3].

 

Atualmente, esse princípio é considerado uma base para a realização de ciência de alta qualidade nos setores acadêmico e industrial com foco no desenvolvimento de abordagens alternativas que evitem o uso desnecessário de animais.

 

Métodos alternativos ao uso de animais

 

São considerados métodos alternativos aqueles que conseguem reduzir, refinar ou substituir o uso de animais em testes científicos. Com base neste princípio, diversos métodos alternativos para avaliar a segurança e a eficácia de produtos vêm sendo desenvolvidos e validados também para fins de registro e comercialização, principalmente no Brasil [4].

 

Nesse contexto, o Brasil assumiu o compromisso com a validação de métodos alternativos, e esse direcionamento resultou na criação, em julho de 2012, da Rede Nacional de Métodos Alternativos (Renama), pelo Ministério da Ciência, Tecnologia, Inovações e Comunicações (MCTIC).

 

Em setembro de 2012, foi criado o Centro Brasileiro de Validação de Métodos Alternativos (BraCVAM), uma parceria entre o Instituto Nacional de Controle de Qualidade em Saúde (INCQS), da Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz), e a Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) [5].

 

Métodos alternativos in vitro

 

Dentre estes métodos, estão os métodos alternativos in vitro, que utilizam o cultivo de células, tecidos e órgãos fora do organismo, em laboratório, visando obter a mesma informação que seria obtida com o modelo animal. Muitos destes métodos já são validados e aceitos por órgãos regulatórios como metodologias para avaliação de segurança de produtos.

 

Como métodos alternativos in vitro estão também os sistemas microfisiológicos, cuja tecnologia robusta promete maior poder preditivo e combina o cultivo de células em três dimensões, os chamados organóides, em dispositivos microfluídicos, na tentativa de mimetizar o organismo de forma fisiológica e assim substituir, ou ao menos reduzir, o uso do modelo animal.

 

Cultura de células e tecidos como alternativa à pesquisa com animais

 

A cultura de tecidos é uma dessas alternativas e gera avanços científicos significativos, impactando positivamente a saúde humana.

 

Ao utilizar células e tecidos cultivados in vitro os resultados também podem ser mais relevantes e reprodutíveis, uma vez que o controle do experimento é maior e mais fácil, além de se aproximar mais das características humanas.

 

Embora o cultivo in vitro tenha algumas limitações e não consiga ainda simular inteiramente a complexidade do sistema in vivo (como a resposta do sistema circulatório ou nervoso), tal método apresenta-se como uma ótima alternativa para substituição ou mesmo redução do uso de seres vivos.

 

No cultivo celular, as células podem ser retiradas diretamente de um animal ou ser humano (células primárias) e usadas para uma variedade de experimentos.

 

Outro ponto positivo é a técnica ser amplamente aceita na comunidade científica. Pois, fornece resultados confiáveis e reprodutíveis, gerados em um tempo menor, além de ter um custo mais baixo se comparado a experimentos com seres vivos.

 

Contudo, ainda por lei, medicamentos devem passar por diversos testes in vivo, ou seja, com seres vivos, antes da sua aprovação. Para descobrir se uma droga é segura e eficaz, a pesquisa e testes em animais geralmente são o primeiro passo para intender a segurança e as dosagens de novos medicamentos e tratamentos médicos.

 

Exemplo do uso de métodos alternativos na área da oncologia

 

Partindo do princípio dos 3R´s, o Centro Nacional para Substituição, Refinamento e Redução de Animais em Pesquisa (NC3Rs), a organização nacional do Reino Unido para a descoberta e aplicação de novas tecnologias e abordagens aos 3Rs, vem trabalhando com instituições para que estas realizem pesquisas científicas de ponta para acelerar o desenvolvimento de modelos precisos de câncer humano e reduzir o número de animais usados em tais pesquisas [6].

 

Estas instituições estão melhorando a capacidade de prever o comportamento do câncer humano usando modelos humanos in vitro que buscam, por exemplo, a identificação de mecanismos moleculares que conduzem a metástase e sua inibição terapêutica em modelos de metástase in vitro.

 

Modelos in vitro na oncologia

 

Culturas em monocamada de linhagens celulares e células derivadas de pacientes são há muito tempo o modelo in vitro de escolha em oncologia. Em particular, esses modelos permitiram decifrar os mecanismos que determinam a proliferação e invasão tumoral.

 

No entanto, esses modelos 2D são insuficientes porque não consideram a organização espacial das células e suas interações entre si ou com a matriz extracelular.

 

Neste contexto, existe a necessidade de desenvolver novos modelos 3D (tumoróides) para obter uma melhor compreensão do desenvolvimento destas patologias, mas também para avaliar a penetração de fármacos através de um tecido e a resposta celular associada.

 

O desenvolvimento de sistemas de cultura 3D permite propor modelos fisiopatológicos refinados que permitirão a implementação de estratégias terapêuticas direcionadas melhoradas.

 

Embora ainda não exista um modelo 3D in vitro “perfeito” que possa substituir os modelos pré-clínicos in vivo, os avanços metodológicos estão movendo o campo para representações mais precisas de tumores humanos, inclusive no que diz respeito à resposta a medicamentos.

 

Exemplo do uso de tecnologias in vitro para estudar o câncer de ovário

 

Globalmente, o câncer de ovário é a oitava malignidade mais frequentemente diagnosticada e causa de morte relacionada ao câncer em mulheres [7].

 

Dada a alta taxa de mortalidade e recorrência dos cânceres de ovário, há uma clara necessidade de modelos mais fisiologicamente relevantes que possam prever com precisão a probabilidade de um paciente responder a uma determinada terapia, tanto no diagnóstico quanto na recidiva, a fim de orientar a estratégia terapêutica [8].

 

Como exemplo, não existem biomarcadores clinicamente aprovados para prever as respostas das mulheres com câncer de ovário ao tratamento mais utilizado com o bevacizumabe antiangiogênico, e o desenvolvimento de ensaios funcionais para prever a probabilidade de uma mulher responder ao bevacizumab representaria um avanço [9].

 

Neste sentido, para as abordagens translacionais que possam prever quais mulheres provavelmente se beneficiarão de quais terapias, são necessários modelos robustos que expandam a cultura tradicional de células 2D.

 

Assim, métodos de modelagem 3D que estão sendo empregados atualmente em linhagens de células de câncer de ovário, tecido tumoral primário ou metastático e ascite, têm potencial para serem usados no futuro para esses fins, sem o uso de modelos animais nesta etapa.

 

Modelos Organoides (3D) de câncer de ovário

 

Os organoides derivados do paciente estão se tornando um modelo pré-clínico importante e poderoso para a medicina personalizada. Também, a criopreservação de organoides derivados do paciente permite o biobanco de amostras únicas para correspondência de genótipo/fenótipo com amostras futuras do mesmo paciente à medida que o câncer progride para informar a tomada de decisão sobre o tratamento.

 

Em comparação com os modelos de xenoenxerto, as culturas organoides ou tumoroides requerem tempos significativamente mais curtos para o desenvolvimento a partir de pequenas amostras iniciais, têm uma taxa de sucesso mais alta e reproduzem com precisão as características genéticas e fenotípicas do tumor derivado, permitindo estratégias de medicina personalizada [10].

 

Além disso, as interações de modelagem com o microambiente do tumor, incluindo a superfície dos órgãos na cavidade peritoneal que suportam o crescimento metastático do câncer de ovário, melhorarão o poder desses modelos.

 

Também, a possibilidade de cultivar de forma confiável culturas tumoróides primárias de câncer de ovário melhorará a capacidade de recapitular a heterogeneidade do tumor.

 

Em suma, os métodos alternativos pré-clínicos in vitro conseguem reduzir a quantidade de pesquisa em animais necessária para que uma droga chegue ao mercado. A evolução dos ensaios in vitro fornecerá respostas mais assertivas e robustas quanto à segurança destas drogas.

 

Associadas aos princípios NC3Rs, pesquisadores, indústria e reguladores estão trabalhando para acelerar a adoção de métodos alternativos onde há evidências científicas para apoiá-la.”

 

Na área da oncologia, os sistemas de modelagem tridimensional (3D) conseguem recapitular a heterogeneidade dos tumores, e no caso do câncer de ovário, representam pontos de partida para resultados translacionais aprimorados, assim como fornecem previsões assertivas da resposta do paciente a novas terapias moleculares direcionadas.

 

Referências:

 

[1]

 

[2] WMS Russell, RL Burch. The principles of humane experimental technique. London, UK, Methuen, 1959.

 

[3] National Centre for the Replacement, Refinement and Reduction of Animals in Research –https://www.nc3rs.org.uk/the-3rs

 

[4] LD Moretto, MA Stephano. Métodos Alternativos ao uso de Animais em Pesquisa Reconhecidos no Brasil.  20191ª ed, Limay Editora, São Paulo.

 

[5] O Presgrave, W Moura, C Caldeira, E Pereira, MHV Boas, C Eskes. Brazilian Center for the Validation of Alternative Methods (BraCVAM) and the Process of Validation in Brazil. ATLA 2016 (44):85–90.

 

 

[7] Sung H., Ferlay J., Siegel R. L., Laversanne M., Soerjomataram I., Jemal A., et al. Global Cancer Statistics 2020: GLOBOCAN Estimates of Incidence and Mortality Worldwide for 36 Cancers in 185 Countries. CA A. Cancer J. Clin. 2021 71 (3), 209–249. 10.3322/caac.21660.

 

[8] Yee C, Dickson KA, Muntasir MN, Ma Y, Marsh DJ. Three-Dimensional Modelling of Ovarian Cancer: From Cell Lines to Organoids for Discovery and Personalized Medicine. Front Bioeng Biotechnol. 2022 Feb 10; 10:836984. doi: 10.3389/fbioe.2022.836984. PMID: 35223797; PMCID: PMC8866972.

 

[9] Oza A. M., Cook A. D., Pfisterer J., Embleton A., Ledermann J. A., Pujade-Lauraine E., et al. Standard Chemotherapy with or without Bevacizumab for Women with Newly Diagnosed Ovarian Cancer (ICON7): Overall Survival Results of a Phase 3 Randomised Trial. 2015 Lancet Oncol. 16 (8), 928–936. 10.1016/s1470-2045(15)00086-8.

 

[10] Hidalgo M., Amant F., Biankin A. V., Budinská E., Byrne A. T., Caldas C., et al. Patient-derived Xenograft Models: an Emerging Platform for Translational Cancer Research. Cancer Discov. 2014 4 (9), 998–1013. 10.1158/2159-8290.Cd-14-0001.

 

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