Globalmente, o custo dos cuidados de saúde tornou-se alto e muitos países em desenvolvimento têm focado suas políticas de saúde pública no incentivo à produção de medicamentos genéricos como forma de reduzir os custos de produção e aumentar a acessibilidade dos medicamentos aos pacientes.
Neste sentido, os testes de bioequivalência asseguram que o medicamento genérico é equivalente terapêutico do medicamento de referência, ou seja, que apresenta a mesma eficácia clínica e a mesma segurança em relação ao seu de referência [1].
Os estudos de bioequivalência dos produtos genéricos têm sido desenvolvidos nos últimos 50 anos, mas, apesar desse desenvolvimento, a aceleração do acesso aos medicamentos ainda é um desafio crescente, e que envolve atividades científicas e regulatórias em conjuntos.
Desenvolvimento de um medicamento genérico e investigações de bioequivalência
Para ser considerado um medicamento genérico é preciso que este apresente a mesma substância ativa, forma farmacêutica, dosagem e ter a mesma indicação que o medicamento original, de referência, sem o nome fantasia. Além disso, ele deve ser intercambiável em relação ao medicamento de referência, ou seja: a troca pelo genérico deve ser possível.
Neste contexto, investigações de bioequivalência são projetadas para avaliar se o produto de teste possui propriedades biofarmacêuticas comparáveis a um equivalente farmacêutico aprovado anteriormente.
No entanto, existem métodos substitutos que podem ser usados para acessar a biodisponibilidade tópica e, por extrapolação, inferir a bioequivalência de produtos genéricos tópicos.
Equivalência terapêutica para medicamentos genéricos de usos tópicos
Para produtos tópicos não esteroides, as autoridades regulatórias frequentemente exigem a demonstração da equivalência terapêutica dos produtos, usando estudos de desfechos clínicos. Por outro lado, se o produto for um corticosteroide, podem ser utilizados ensaios farmacodinâmicos in vivo.
A análise dos parâmetros clínicos é considerada o “padrão ouro”, pois pode ser aplicada a todos os medicamentos. No entanto, a alta variabilidade intrínseca à entrega tópica do insumo farmacêutico ativo (IFA) torna esta análise relativamente insensível, dispendiosa, demorada, além de exigir um grande número de sujeitos.
Desta maneira, existem métodos alternativos capazes de fornecer uma análise mais rigorosa, sofisticada e ainda permite um custo menor. Entre eles, os métodos in vitro têm despertado considerável atenção, não só no campo acadêmico, mas também na indústria farmacêutica e agências reguladoras [2].
Métodos in vitro para inferir a bioequivalência de produtos genéricos
Inicialmente, estudos de desfechos clínicos complexos eram o único recurso para comprovar a bioequivalência de formas farmacêuticas semi-sólidas para administração tópica.
Como tais estudos não eram viáveis, em 1997 o US-FDA emitiu uma diretriz para superar as restrições regulatórias das formas de dosagem semi-sólidas não estéreis, chamada “Scale-Upand Post Aprovation Changes" (SUPAC-SS) [3].
Esta orientação regulamentava o uso de testes de liberação in vitro (IVRT) como evidência de uniformidade terapêutica e farmacêutica do produto entre a pré-alteração (produto aprovado) e pós-alteração (produto em teste) [3].
Desde então, este teste passou a ser usado pela indústria farmacêutica durante o desenvolvimento de formulações e também durante a análise de controle de qualidade.
Esse uso extensivo de IVRT produziu conhecimento e experiência abrangentes em todas as formas farmacêuticas semi-sólidas complexas comercializadas, e foi o resultado do esforço conjunto entre a indústria farmacêutica, academia e cientistas regulatórios.
Como exemplo da orientação para o uso de IVRT como bioequivalência em pedidos de novos medicamentos, as diretrizes da SUPAC-SS consideram cinco campos principais de alteração: (i) mudanças nos componentes e composição; (ii) alterações nos equipamentos de fabricação; (iii) mudanças no processo de fabricação; (iv) alterações no tamanho do lote e; (v) alterações no local de fabricação [4].
Para cada campo, são estabelecidos três níveis de mudança. Geralmente, os produtos de teste, expostos à apenas as alterações de dois níveis, conseguem documentar a bioequivalência do produto por meio de IVRT. A aplicação desta orientação reduziu significativamente a complexidade regulatória das alterações pós-aprovação de um medicamento tópico [4].
Relevância científica do ensaio de permeação com membrana biológica in vitro
A relevância científica do ensaio de permeação com membrana biológica in vitro (IVTP) tem também sido exaustivamente documentada, uma vez que o perfil de permeação dos IFAs de uma determinada formulação é altamente dependente de seus atributos qualitativos, quantitativos e micro estruturais, sendo uma ferramenta útil para avaliar a bioequivalência de um produto [5].
Um exemplo claro e atualizado sobre o histórico regulatório dos métodos de IVTP é a diretriz sobre a qualidade dos adesivos transdérmicos divulgada pela Agência Europeia de Medicamentos, onde é fornecida uma descrição cuidadosa do desenvolvimento e validação do método de IVTP [6].
O Brasil acompanha a flexibilidade regulatória mundial para o desenvolvimento de medicamentos genéricos de uso tópico
Determinar a bioequivalência de produtos dermatológicos tópicos continua a ser uma área desafiadora para as autoridades reguladoras e para a indústria farmacêutica, visto que para estes produtos, aplicados localmente e não destinados à absorção sistêmica, as abordagens de bioequivalência para formas de dosagem tópicas tendem a diferir das formas tradicionais de dosagem oral.
Neste contexto, as jurisdições das autoridades regulatórias possuem documentações de orientações específicas para tais produtos tópicos, as quais contêm requisitos de bioisenção e possíveis testes de comparabilidade in vitro e in vivo, necessários para fins de registro.
Muitas jurisdições (Austrália, África do Sul, Suíça e EUA) começaram a aceitar IVRT e IVTP para corroborar resultados de estudos in vivo de medicamentos genéricos semi-sólido, e também para documentar solicitações de bioisenção [7].
Neste cenário, a ANVISA, é um dos exemplos mais claros de autoridades regulatórias alinhada as normativas internacionais que confiam profundamente em documentações de bioisenção in vitro para medicamentos tópicos.
No Brasil, por mais de 10 anos, esteve em vigor a Resolução RDC 37/2011, que estabelecia o Guia para isenção e substituição de estudos de biodisponibilidade relativa/bioequivalência.
Recentemente, como resultado de estratégias de harmonização sobre os testes de comparabilidade in vitro e in vivo para os produtos de usos tópicos, a Diretoria Colegiada da ANVISA apresentou a nova resolução RDC 749/2022, a qual estabelece que os estudos de biodisponibilidade relativa/bioequivalência poderão ser dispensados para: formas farmacêuticas de aplicação tópica, não destinados a efeitos sistêmicos, que sejam equivalentes farmacêuticos ao medicamento comparador e que tenham os mesmos excipientes nas mesmas quantidades e mesmo comportamento físico-químico e micro estrutural.
A bioisenção, contudo, deverá ter atenção nos casos de diferenças em excipientes que causem impacto na permeação cutânea, sugerindo a comprovação da semelhança entre as formulações através de teste de desempenho in vitro comparativo. Neste caso, IVTP é a ferramenta científica que irá permitir a avaliação in vitro entre essas formulações.
Em suma, a flexibilidade regulatória proporcionada pelo SUPAC-SS, por meio da aplicação de IVRT e IVTP, representou uma mudança de paradigma na avaliação de BE de medicamentos tópicos em várias juridições e no Brasil.
Também no Brasil, a recente RDC 749/2022 incluiu requisitos de bioisenção e possíveis testes de comparabilidade in vitro e in vivo para os medicamentos de usos tópicos.
No processo contínuo de revisão e atualização das recomendações regulatórias, é essencial que as autoridades e organizações regulatórias compartilhem suas experiências. Abordagens bem-sucedidas podem levar a um alinhamento global nos requisitos regulatórios e melhorar a eficácia de formulações genéricas administradas topicamente.
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Referências:
[1] Karalis V, Symillides M, Macheras P. Novel methods to assess bioequivalence. Expert Opin Drug Metab Toxicol. 2011 Jan;7(1):79-88. doi: 10.1517/17425255.2011.539202. Epub 2010 Dec 1. PMID: 21118059.
[2] Miranda M, Sousa JJ, Veiga F, Cardoso C, Vitorino C. Bioequivalence of topical generic products. Part 2. Paving the way to a tailored regulatory system. Eur J PharmSci. 2018 Sep15; 122:264-272. doi: 10.1016/j.ejps.2018.07.011. Epub 2018 Jul 4. PMID: 29981406
[3] FDA Guidance for Industry: Nonsterile Semisolid Dosage Forms: Scale-up and Post approval Changes: Chemistry, Manufacturing, and Controls: in Vitro Release Testing and in Vivo Bioequivalence Documentation (1997).
[4] A. Sivaraman, A. Banga Quality by design approaches for topical dermatological dosage forms. Res. Reports Transdermal Drug Deliv. 2015, 4, pp. 9-21, 10.2147/RRTD.S82739.
[5] V.P. Shah, J.Elkins, S. Shaw, R. Hanson In vitro release: comparative evaluation of vertical diffusion cell system and automated procedure Pharm. Dev. Technol., 2003 8 pp. 97-102.
[6] European Medicines Agency Guideline on quality of transdermal patches. Eur. Med. Agency,2014 44, pp.1-28.
[7] A.C. Braddy, B.M. Davit, E.M. Stier, D.P. Conner Survey of international regulatory bioequivalence recommendations for approval of generic topical dermatological drug products AAPS J., 2015, 17, pp.121-133,10.1208/s12248-014-9679-3
[8] Soares KC, Santos GM, Gelfuso GM, Gratieri T. An Update of the Brazilian Regulatory Bioequivalence Recommendations for Approval of Generic Topical Dermatological Drug Products. AAPS J. 2015 Nov;17(6):1517-8. doi: 10.1208/s12248-015-9801-1. Epub 2015 Jun 27. PMID: 26122498; PMCID: PMC4627447.
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