A administração tópica é uma alternativa à administração oral de medicamentos, via caracterizada por ser indolor, de fácil aplicação e que não apresenta efeitos do metabolismo de primeira passagem hepática. Desenvolver sistemas de drug delivery efetivos para essa rota é uma tarefa desafiadora, já que a pele é uma barreira natural à entrada de qualquer substância estranha ao organismo. As formulações de aplicação tópica e ação local agem nas camadas mais superficiais da pele: estrato córneo, epiderme viável e, em alguns casos, a derme. A absorção do medicamento se dá pela penetração do IFA na camada de estrato córneo, seguida de sua permeação através da camada epidérmica até a derme, podendo haver absorção sistêmica do fármaco.
A avaliação de eficácia e segurança de medicamentos tópicos através de estudos deve preceder a inserção de um produto no mercado. Em virtude deste racional, aumentaram-se os esforços para o desenvolvimento de métodos alternativos que possam substituir, refinar e/ou reduzir a utilização de animais e seres humanos para avaliação da eficácia e segurança de medicamentos. Nesse contexto, os métodos in vitro capazes de atender e fomentar o princípio dos 3R’s desempenham um papel essencial na avaliação de medicamentos tópicos que visam ação local ou transdérmica.

Para formas farmacêuticas semissólidas de aplicação tópica, uma avaliação in vitro da interação do medicamento com a pele pode ser realizada através dos estudos de permeação cutânea in vitro (IVPT). O estudo pode ser aplicado para formulações semissólidas de uso tópico, como cremes, pomadas e géis, bem como adesivos transdérmicos, fornecendo informações valiosas de performance e auxiliando desde as etapas de P&D até o registro de medicamentos.
O ensaio consiste na aplicação do produto sobre uma membrana biológica (geralmente pele de orelha de porco) alocada em uma célula de difusão vertical (célula de Franz). A passagem dos ativos através da membrana para compartimento receptor é monitorada através da análise da solução receptora e das diferentes camadas da membrana empregada.

Em 2004, a Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OECD) publicou o Teste nº 428 de permeação cutânea in vitro para avaliação de risco da exposição humana a pesticidas. O guia discute o impacto das formulações de pesticidas na sua permeabilidade dérmica e fornece orientação prática para estimar valores de exposição a pesticidas e biocidas através da absorção dérmica. Os resultados in vitro integrados com outros resultados de estudos in vivo e ex vivo integram o “triple pack” e fornecem resultados confiáveis de exposição humana a estes compostos.
Devido às orientações robustas para condução experimental do estudo de IVPT, o guia foi utilizado durante anos como principal referência para pesquisa e desenvolvimento de diversos produtos de aplicação tópica, medicamentos e cosméticos.
Em 2019, a ANVISA publicou a primeira versão do Guia nº 20 de qualidade para produtos tópicos e transdérmicos, fornecendo orientações e recomendações ao setor farmacêutico sobre os requisitos para medicamentos novos, genéricos e similares.
O Guia destaca a importância da avaliação de desempenho in vitro das formulações através dos testes de liberação e permeação cutânea in vitro, bem como da qualidade do delineamento experimental dos testes realizados. A avaliação de desempenho in vitro é essencial para comprovação de qualidade dos medicamentos desenvolvidos, juntamente ao detalhamento da sua composição, do seu processo produtivo e dos ensaios físico-químicos de qualidade.

As recomendações do Guia denotam o que veio a se tornar a obrigatoriedade para isenção de estudos de bioequivalência para medicamentos de aplicação tópica de efeito não sistêmico após a revogação da RDC Nº 37 de 2011 e a publicação da RDC Nº 749 de 2022. Neste ato, a ANVISA preconizou novas diretrizes para bioisenção de medicamentos no Brasil.
Especificamente para formas farmacêuticas de aplicação tópica não destinados a efeitos farmacológicos sistêmicos, o inciso VII do Art. 7º desta Resolução preconiza que o medicamento candidato à bioisenção seja equivalente farmacêutico ao medicamento comparado, tendo os mesmos excipientes (Q1) nas mesmas quantidades (Q2) e mesmo comportamento físico-químico e microestrutural (Q3). Também nesta Resolução, o Art. 14º preconiza que na hipótese de dispensa do que trata o inciso VII do art. 7°, a bioisenção poderá ser considerada em casos de pequenas diferenças em ingredientes inativos (não considerados críticos para permeação do ativo) mediante apresentação de dados de desempenho in vitro. Ainda, que a semelhança entre as formulações dos medicamentos seja comprovada com testes de desempenho in vitro comparativo com o medicamento de referência.
EM 2022, a FDA publicou o primeiro Guia do Estudo de Permeação Cutânea in vitro para demonstração de bioequivalência de medicamentos tópicos. Os medicamentos incluídos no escopo do guia são pomadas, cremes, loções, emulsões, pastas, shampoos, géis, suspensões, sprays, aerossóis, espumas, soluções e outras formas semissólidas e/ou líquidas dispensadas com um arranjo estruturado de matéria (que pode incluir mais de uma fase). O guia considera o estudo de permeação cutânea in vitro uma das mais promissoras entre as metodologias de farmacocinética cutânea, que demonstra alta correlação com resultados in vivo. Nesse contexto, o estudo de IVPT pode ser empregado para caracterizar o processo de absorção em que um medicamento tópico se tornará disponível no local de ação in vivo e comparar a taxa e extensão da biodisponibilidade de um medicamento tópico teste e seu medicamento de referência. Os perfis de fluxo de IVPT se assemelham aos perfis farmacocinéticos, embora estejam relacionados somente à etapa de absorção do ciclo farmacocinético, isto é, não se relacionando aos eventos seguintes de distribuição, metabolização e excreção do fármaco. Dessa forma, podem ser analisados os endpoints de Fluxo máximo (JMAX) e Área correspondente à Permeação Total Cumulativa (AMT), que são análogos aos farmacocinéticos in vivo de Concentração Máxima (CMAX) e a Área Sob A Curva Concentração-Tempo (AUC).

O Estudo de Permeação Cutânea in vitro é uma ferramenta versátil excelente para avaliação de desempenho de medicamentos de aplicação tópica. Os diversos endpoints analisados (fluxo de passagem, retenção e/ou permeação nas camadas da pele) e enquadramentos regulatórios a qual se aplica, como os expostos neste texto, tornam este teste essencial e capaz de oferecer informações valiosas para as diversas etapas do ciclo de desenvolvimento e registro de um produto. Ficou interessado nos estudos de permeação cutânea in vitro? Consulte um de nossos experts para maiores informações.
Referências:
1. Cardoso, A. M. Nanocápsulas e nanoemulsões contendo fenitoína: desenvolvimento de formulações cutâneas e estudo in vivo do efeito sobre a cicatrização cutânea. (2017).
2. Zsikó, S. et al. Methods to Evaluate Skin Penetration In Vitro. Scientia Pharmaceutica 2019, Vol. 87, Page 19 87, 19 (2019).
3. Topical and Transdermal Drug Products: Making the difference through transdermal delivery systems.
4. OECD. Test No. 428: Skin Absorption: In Vitro Method. OECD Guidelines for the Testing of Chemicals 1, (2004).
5. ANVISA. Guia Sobre Requisitos de Qualidade Para Produtos Tópicos e Transdérmicos (Guia No 20/2019 - Versão 2). (2021).
6. FDA. In Vitro Permeation Test Studies for Topical Drug Products Submitted in ANDAs Guidance for Industry. (2022).
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